Decisão do STF pode abrir caminho para Estados cobrarem ICMS retroativo do varejo

Ministros rejeitaram segundo recurso dos contribuintes

Por Joice Bacelo e Beatriz Olivon — São Paulo e de Brasília

O Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou o segundo recurso dos contribuintes na ADC 49 – que tem forte impacto para as empresas do varejo. Essa ação trata sobre a cobrança de ICMS na transferência de mercadorias, de um Estado para outro, entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte.

A discussão, desta vez, atinge as empresas que não têm ação judicial sobre o tema, mas, com base na jurisprudência, deixaram de fazer o recolhimento do imposto. O pedido, no recurso, era para que a Corte proibisse os Estados de cobrar ICMS de forma retroativa.

Os ministros, no entanto, não reconheceram a legitimidade do autor do recurso, o Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom), que atua no processo como “amicus curiae” (parte interessada) e não autor da ação original. Afirmaram que, nessa condição, não há “legitimidade recursal”. Em razão disso, as questões de mérito – sobre a possibilidade de cobrança retroativa – nem chegaram a ser analisadas.

Para advogados, porém, essa falta de resposta pode abrir caminho para que os Estados realizem as cobranças retroativas e os valores sejam validados na Justiça. O entendimento contra o recuso foi proferido pelo relator, o ministro Edson Fachin – que abriu as discussões – e seguido por todos os demais integrantes da Corte. Esse julgamento ocorreu no Plenário Virtual. Foi concluído sexta-feira e a decisão publicada ontem.

Entenda

O STF decidiu o mérito dessa discussão em abril de 2021. Ficou definido, nessa data, que os Estados não poderiam cobrar ICMS nas operações de transferência das mercadorias. Essa decisão beneficiava o setor, mas tinha um efeito colateral grave: mexia nos créditos aos quais as empresas têm direito e usam para abater dos pagamentos do imposto.

O regime do ICMS é não cumulativo. Isso quer dizer que o que a empresa paga na etapa anterior, ao adquirir a mercadoria para revenda, serve como crédito para abater na etapa subsequente. Com a decisão de abril de 2021, no entanto, o uso do crédito ficaria restrito ao Estado de saída da mercadoria. Isso geraria desequilíbrio no fluxo de caixa porque sobraria crédito num Estado e no outro a empresa seria obrigada a desembolsar, em dinheiro, todo o pagamento.

Primeiro recurso

Para tratar esse “efeito colateral” surgiu o primeiro recurso (embargos de declaração) dos contribuintes. Os ministros precisavam definir quando a decisão que derrubou a cobrança de ICMS teria validade e como seria a regulamentação do uso dos créditos. O julgamento desse recurso ocorreu em abril deste ano de 2023.

Os ministros decidiram que a partir de 2024 não poderá mais ser cobrado ICMS na transferência de mercadorias, de um Estado para outro, entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte. Também ficou definido que os Estados têm até o fim deste ano para disciplinar o uso dos créditos acumulados. Se isso não acontecer, os contribuintes ficarão liberados para fazer as transferências sem qualquer ressalva ou limitação.

Os ministros fixaram, no entanto, que esse prazo de 2024 não se aplica aos contribuintes que tinham ações em andamento sobre o tema — tanto na esfera administrativa como na judicial — antes da decisão de mérito, em abril de 2021. Nesses casos, além de não precisar pagar o imposto, os contribuintes também terão o direito de receber de volta o que pagaram de forma indevida para os Estados no passado.

Segundo recurso

Com essa decisão sacramentada, no entanto, os Estados passaram a investir contra as empresas que não têm ação, mas, com base na jurisprudência, deixaram de recolher ICMS nessas operações. Há relatos, inclusive, de decisões favoráveis à cobrança, com acréscimo de juros e multas, em tribunais estaduais.

Por isso, então, um segundo recurso foi apresentado — também em sede de embargos de declaração. O Sindicom pedia que os ministros proibissem os Estados de cobrarem o imposto de forma retroativa tanto de contribuintes que têm ação sobre o tema como daqueles que não têm ação, mas, com base na jurisprudência, deixaram de fazer o recolhimento.

Apesar de não terem ação, afirmava o sindicato no processo, esses contribuintes confiaram na jurisprudência e tinham uma expectativa legítima. Havia decisões do próprio STF contra a cobrança e também uma súmula do Superior Tribunal de Justiça (STJ) nesse mesmo sentido.

Análise

“Essa decisão pode levar a uma série de implicações para as empresas”, avalia o tributarista Leonardo Roesler, sócio da RMS Advogados. Sem um esclarecimento definitivo do STF sobre a questão, ele diz, os Estados podem se sentir legitimados a efetuar cobranças retroativas de ICMS, “expondo as empresas a riscos fiscais e financeiros significativos”.

Publicado no Valor Econômico.

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