Dívidas caducam? Conheça as respostas para 5 mitos sobre endividamento

Mapa da Inadimplência do Serasa mostra que 7 milhões de brasileiros têm dívidas em atraso

GABRIEL SERPA joao.serpa@estadao.com

Após dois meses consecutivos de queda, o Mapa da Inadimplência do Serasa voltou a registrar aumento no número de brasileiros com dívidas em atraso em agosto, chegando a 71,74 milhões nesta situação.

Não à toa, ao longo da primeira etapa do Desenrola Brasil, mais de R$ 13 bilhões foram renegociados junto às principais instituições financeiras do Brasil, segundo a Agência Brasil. A segunda fase do programa do governo federal entrou em vigor em setembro e pode atender mais 32,5 milhões de consumidores com nomes negativados.

Sem os meios para quitar todos os débitos, muitas brasileiros se veem obrigados a esperar até que a dívida caduque, isto é, se torne obsoleta e deixe de existir. No entanto, os detalhes sobre o tema e a maneira como as instituições lidam com ele são menos conhecidos do que a ideia de esperar cinco anos para se ver livre de constrangimentos.

1) Toda dívida caduca em cinco anos?

Não é bem assim. O artigo 206 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) categoriza uma série de dívidas e elenca os prazos de prescrição, do parágrafo 1º ao 5º, presentes no dispositivo legal.

“Há obrigações com prazos distintos, podendo ser de dez, cinco, três, dois ou um ano, a depender do tipo de relação jurídica estabelecida”, explica Leonardo Roesler, especialista em Direito Tributário e Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e sócio do RMS Advogados.

Dívidas decorrentes de relações contratuais, em regra, caducam em três anos, por exemplo, segundo o artigo 27 do CDC, enquanto aquelas que advêm da relação de consumo prescrevem em cinco.

Vale ressaltar que o início da contagem do prazo é determinado pela tomada de conhecimento “inequívoca do credor acerca da inadimplência do devedor”, como ensina o advogado. Roesler ainda lembra que “o prazo pode ser interrompido ou suspenso em várias situações previstas em lei”.

2) O débito prescreveu. Não serei mais cobrado?

A instituição financeira tem o período de cinco anos para cobrar os devedores judicialmente. Isso significa que ela pode acionar o aparato jurídico do Estado, visando o recebimento dos valores devidos, durante esse tempo. Transcorrido o prazo, ela perde a capacidade de realizar essa forma específica de cobrança.

Outras maneiras de cobrar o devedor, no entanto, seguem sendo possíveis. Ligações, cartas, e-mails: todas aquelas classificadas como extrajudiciais — em outras palavras, que não se valem do aparato jurídico do Estado. Isso porque o débito não é extinto. O que deixa de existir é o direito do credor de cobrar o devedor por meio da Justiça.

Porém, com a prescrição, Leonardo Roesler recomenda que as cobranças extrajudiciais sejam finalizadas: “Tal conduta pode configurar prática abusiva e violar os princípios da boa-fé objetiva e da dignidade da pessoa humana”. Nos casos em que há abuso, a empresa pode ser obrigada a indenizar o devedor.

O advogado ainda ressalta que a prescrição do débito não ocorre de forma automática: “Deve ser declarada judicialmente para ser reconhecida, com a manifestação em juízo por parte do devedor”.

3) Passado o prazo, o nome fica “limpo”?

Sim. Mas também não é tão simples. O prazo para que órgãos de proteção ao crédito, como SPC e Serasa, removam o nome dos devedores de seus cadastros chega até cinco anos, como dispõe o artigo 43, em seu parágrafo 1º, do CDC. E a desnegativação não acontece de maneira automática.

Tomado conhecimento de que o nome consta negativado, após a prescrição da dívida, “é prudente que o devedor busque tutela judicial para garantir a exclusão do registro e, se for o caso, a reparação por eventuais danos morais sofridos”, recomenda Leonardo Roesler.

Manter de maneira indevida o nome de devedores em cadastros de inadimplentes, por mais de cinco anos, pode configurar prática ilícita. Mais uma vez, a conduta pode acarretar em indenização ao devedor, a ser paga pela empresa responsável pelo registro ou ainda pelo credor.

4) Depois de caducar, posso pegar empréstimo de novo?

Em tese, sim. Mas com frequência não é o que acontece na prática, ainda que o devedor tenha seu nome desnegativado. Isso porque as instituições financeiras mantêm registro próprio dos débitos em aberto e dos devedores.

“Ele deixa de ser cobrado judicialmente, mas se voltar a tentar obter crédito na instituição, não vai conseguir”, conta Gilvan Bueno, sócio e gerente educacional da Órama Investimentos.

Dora Ramos, consultora e especialista em contabilidade e finanças, lembra que não só o acesso a outras linhas de créditos são dificultadas como “a dívida continua visível para consulta no Banco Central (BC)”.

5) Como evitar o acúmulo de dívidas

A grande questão — e principal causa do endividamento de famílias e indivíduos — reside no gerenciamento do orçamento. Gastar mais do que se ganha, de forma sistemática, acaba levando consumidores a se endividarem e a ficarem sujeitas à armadilha dos juros abusivos: “Você entra nessa espiral de endividamento”, alerta Bueno.

Quando o simples ajuste dos valores que entram e saem não é possível só com corte nos gastos, muitos brasileiros se veem na necessidade de procurar atividades extras. “Esses são os dois pilares”, aponta o gerente educacional da Órama ao sintetizar a ideia de adequação orçamentária.

No entanto, é preciso cuidado. Trabalhos por aplicativo, por mais flexíveis que pareçam, podem levar a sobrecarga e riscos maiores, já que neles o trabalhador não conta com proteções ou garantias trabalhistas. Um acidente, por exemplo, poderia acarretar prejuízo ainda maior.

Vale ressaltar que o primeiro passo para ter clareza sobre a saúde financeira de uma família ou indivíduo consiste em colocar todos os valores na ponta do lápis, para que o gerenciamento das finanças possa ser levado adiante. Sabendo o saldo do mês, fica mais fácil (re)calcular rotas e tomar decisões mais precisas.

Publicado no Estadão.

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